terça-feira, 10 de setembro de 2013

Futebol: hipnose, cacos de vidro e barras de ferro empurram o Atibaia

Quando foram contratados para disputar a Segundona do Campeonato Paulista (equivalente à quarta e última divisão do Estadual), os jogadores do Atibaia sabiam que o caminho da equipe seria tortuoso. Mas nem em pesadelo poderiam imaginar que nos passos a serem dados no torneio acabariam pisando em cacos de vidro. Muito menos que teriam que entortar barras de ferro com a força do pescoço. Pode parecer metáfora, daquelas de livro de auto-ajuda, mas de fato os atletas têm passado por situações curiosas durante as concentrações. Até táticas de hipnose fazem parte da rotina dos boleiros.

Tesser brinca com o goleiro Leandro
(Foto: Danilo Sardinha/Globoesporte.com)
Não se trata de punição da diretoria, muito menos de um ritual masoquista. O elenco, que conta com o meia Boquita, revelado pelo Corinthians, o também meia Francisco Alex, campeão brasileiro pelo São Paulo em 2007, além de Fernando Gaúcho, atacante com passagem por diversos clubes do país, conta com o treinador motivacional Olimar Tesser para desenvolver a força da mente do elenco. É ele quem comanda sessões de hipnose na concentração do Atibaia. O objetivo é aumentar a confiança dos atletas - e, assim, aumentar as chances de acesso à terceira divisão. O principal foco está em jogadores que passam por problemas pessoais.
O trabalho de Tesser no Falcão, como é conhecido o Atibaia, começou há dois meses. Ex-goleiro de Palmeiras, Corinthians e Fluminense, o treinador motivacional deixa claro que não há mágica. Os exercícios têm riscos mínimos e são voltados para elevar a auto-estima dos jogadores, garante ele.
"Eu trabalho o ser humano, o homem, e isso é refletido dentro de campo. Ele pensa que se conseguir entortar ferro e andar no vidro, pode fazer qualquer coisa no jogo. O cérebro não sabe distinguir o que é realidade ou não. Dois minutos de treino em hipnose têm o mesmo efeito que 20 minutos sem", disse.

Jogadores do Atibaia entortam barra de ferro com a força do pescoço
(Foto: Danilo Sardinha)
A sequência de fotos acima mostra a atividade de entortar uma barra de ferro de 2,4 metros de comprimento com o pescoço. Os atletas escrevem em um pedaço de papel do que têm medo. Com a resposta escrita, o papel é dobrado e colocado entre a ponta da barra e o pescoço do jogador. Tesser orienta os companheiros de equipe, fala algumas palavras de apoio enquanto os jogadores caminham um em direção ao outro, até entortarem a barra. O ritual é encerrado com um abraço. Não há sangue, corte, nada.
Entre os jogadores, a novidade foi recebida com certo receio. Com o tapete de cacos de vidro pela frente, muitos atletas recusaram a investida num primeiro momento. Nem mesmo o vice-presidente do clube, Leonardo Silvério, responsável pelo departamento de futebol do time, acreditava que o método poderia ter efeito.
"O Tesser foi indicado pelo hotel que é nosso parceiro aqui no time. Quando ele chegou, não acreditava muito nessas coisas, não. Falei isso na cara dele. Hoje, se pudesse, o teria aqui todo dia" disse Silvério. O treinador motivacional não é remunerado pelo trabalho. Como reside em Atibaia desde janeiro, Tesser vai ao clube quando sua agenda permite.
"Era véspera de jogo e ele apareceu com os cacos de vidro. Imagina o risco de cortar o pé um dia antes da partida? Hoje a gente se pergunta qual a próxima que ele vai aprontar. É estranho, mas tem nos ajudado" disse o goleiro Ian.
No elenco do Falcão, apenas Boquita já tinha participado das sessões de hipnose. Com o mesmo Tesser no Bahia em 2011. De lá, ainda se arrepia só de lembrar a vez que jura ter levantado o treinador motivacional apenas com a força de seus dedos indicadores da mão.
"É meio estranho, mas é um trabalho muito bom, que exercita algumas partes do cérebro que você não usa normalmente. O pior era andar no vidro. Não queria fazer de jeito nenhum. Mas essa vez de levantá-lo foi tenso. Ele disse que pesava mais de 100 quilos. Aí, depois, quando vi, só com os dedos tinha o levantado até aqui" disse Boquita, mostrando a altura de seu peito.

Boquita posiciona barra de ferro no pescoço
(Foto: Danilo Sardinha/Globoesporte.com)
Para o meia, a terapia tem sido um incentivo a mais para voltar a atuar. Recuperando-se de uma cirurgia para tratar uma hérnia na região da virilha, Boquita se transferiu para o Atibaia à procura de uma sequência de jogos.
Resultado
Os métodos curiosos de Tesser parecem dar resultado. A equipe está na terceira fase da Segundona do Paulista, na liderança de seu grupo, ao lado do Água Santa. Com nove pontos em quatro jogos, o Falcão precisa de mais dois pontos nas duas partidas restantes para garantir a vaga na fase final do torneio. A equipe volta a campo nesta quarta-feira, 11, às 15h, diante do Água Santa, no estádio Salvador Russani.
Subir de divisão seria um feito inédito para o Falcão. Fundado em 2005, o Atibaia jamais deixou a Segundona. O clube nasceu para que a cidade conhecida como a Terra do Morango voltasse a ter um time de futebol profissional. As opções no passado foram o São João Futebol Clube (hoje um clube social), o Boa Vista Futebol Clube (extinto) e o Grêmio Esportivo Atibaiense (que deixou de ser profissional há pouco mais de 20 anos).
O Atibaia, presente na terceira fase do torneio, já iguala a melhor campanha de sua curta história, em 2007. E Tesser assiste aos jogos da arquibancada. Não dá palpite em escalação. No máximo, vai ao vestiário no intervalo quando o resultado é desfavorável e pede dois minutos ao treinador. Ele também assegura que ninguém vai a campo hipnotizado.
O início
Olimar Tesser conciliou a carreira de jogador com os estudos. Largou o gramado aos 30 anos para trabalhar em uma empresa de importação. Como sempre se interessou pelos estudos da mente, resolveu levar a sério o que era hobby até então. Sua primeira experiência em clube de futebol foi com o técnico Márcio Bittencourt, seu companheiro nos tempos de Corinthians, no Noroeste, em 2008.

"Em 2006, cheguei em casa e descobri que conseguia hipnotizar as pessoas. Hipnotizei logo a minha sogra. Aí, pensei: Se posso hipnotizar qualquer animal, posso trabalhar com isso", disse Tesser, que diz já ter desenvolvido sua terapia em Náutico, Guarani, Ponte Preta, São Caetano, Marília, Bahia e Paulista de Jundiaí.

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